sexta-feira, 24 de abril de 2009

Alimentando sentimentos

 

 

24/4/2009

por Raquel Schneider
Não é de hoje que a culinária extrapola seus limites e define o sabor da vida. As pessoas podem ser tachadas de amargas ou doces e há situações que deixam um gosto de "quero mais"... Por trás do sentido figurado, está uma relação interessante entre os sentimentos e a alimentação. Afinal, tomar água com açúcar acalma os nervos? A tristeza estimula a vontade de comer chocolate? Pessoas apaixonadas perdem o apetite?
Embora ainda não tenha respostas conclusivas, a ciência tem investido em estudos para estabelecer uma relação mais clara entre as emoções e os hábitos alimentares. Em alguns casos há fatos comprovados, especialmente no que se refere a itens que estimulam a atividade do sistema nervoso central. "Alimentos com cafeína, como o café, as bebidas de cola e alguns chás, além de outras substâncias presentes também no chocolate, podem alterar o humor da pessoa, deixando-a mais agitada e ativa, física e emocionalmente", explica o médico nutrólogo da Associação Brasileira de Nutrologia, Carlos Alberto Werutsky. Exagerar no consumo de alimentos gordurosos pode igualmente influenciar na disposição - mas de modo negativo. "Alimentos com alto teor de gordura demoram para serem digeridos. Isso compromete a circulação sanguínea, inclusive no cérebro, podendo surgir uma sensação de sonolência e apatia."
Quase consenso no que se refere aos doces, o chocolate requer atenção no consumo. O médico afirma que "pessoas muito ligadas ao consumo de chocolate, não só em quantidade, mas com grande frequência, deveriam ser avaliadas do ponto de vista psicológico, porque o chocolate tem pelo menos 300 substâncias em sua composição". Isso porque, segundo ele, sobre muitas dessas substâncias se sabe que alteram o humor enquanto a ação de outras ainda é desconhecida. "O fato é que o vício ao chocolate pode se assemelhar ao vício alcoólico", enfatiza Werutsky.
Outra questão intrigante são os chamados afrodisíacos, que despertariam o desejo sexual. O médico afirma essa fantasia está na cabeça, e não no estômago. "O estímulo da esfera sexual através de ingredientes alimentares é pouco conhecido e não há evidências científicas de que um ou outro estimule a pessoa sexualmente. Coisas como comer amendoim ou chocolate para aumentar a libido são mais mito do que realidade." O nutrólogo acrescenta que há quem consuma alimentos estimulantes do sistema nervoso central, como bebidas energéticas, para influenciar a performance sexual, mas não há certezas sobre seu efeito. "Não se sabe da sensibilidade de cada um e sobre como essa energia extra será canalizada. Pode ser para o lado sexual, mas pode também aumentar a agressividade. Não há garantias."
Por serem compostos por diversas substâncias e em função das particularidades de cada organismo, fica difícil, diz Werutsky, afirmar a existência de uma relação de causa e efeito em termos científicos do consumo de alimentos. "O senso comum tem coisas como dar água com açúcar para quem está nervoso. É fato que muitas pessoas se acalmam com a ingestão de doce, mas não é uma regra geral".
Combustível para o organismo
Se por um lado alguns alimentos podem influenciar o humor, também é certo que o estado emocional está diretamente ligado à forma como nos comportamos à mesa. Essa relação fica mais clara em situações extremas, nos chamados distúrbios alimentares em que aspectos psicológicos determinam hábitos alimentares. É o caso de problemas como a anorexia e a bulimia, distúrbios em que há uma preocupação desproporcional em relação ao ganho de peso. "Nestes casos, e também com a ansiedade e a depressão, as questões emocionais influenciam a forma como a pessoa se alimenta. Mesmo sem transtornos psicológicos graves, os sentimentos têm um papel sobre aquilo que escolhemos para comer. Quando estamos mais tristes, por exemplo, há uma tendência a buscar alimentos mais doces e quentes", explica a médica psicanalista e endocrinologista Soraya Hissa de Carvalho.
Ela também destaca que os alimentos são matéria-prima para que os hormônios e os neurotransmissores ligados à sensação de bom humor e bem-estar trabalhem de forma adequada. "Uma alimentação mais leve, com mais fibras e vitaminas, desempenha um papel importante no nosso equilíbrio emocional e neurológico", explica a médica, que cita os três principais neurotransmissores relacionados com o humor: a serotonina, a dopamina e a noradrenalina.
A serotonina, responsável pela sensação de bem-estar, proporciona ação sedativa e calmante. A dopamina e a noradrenalina proporcionam energia e disposição. O combustível para que todos trabalhem de forma adequada pode ser encontrado em diferentes tipos de alimentos: cereais integrais, leguminosas (grão-de-bico, ervilhas e feijões), oleaginosas, carnes magras, peixes, ovos, leite, queijos, frutas, legumes, entre muitos outros. A receita final, portanto, requer muita variedade, equilíbrio e boas pitadas de bom senso.

Jornal do Comércio

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