O verdadeiro sabor do café
Bem selecionados, com certificação de origem e muito mais saborosos. O mundo dos cafés especiais está mais do que pronto para ser descoberto. Explore os cardápios das cafeterias ou leve o requinte para sua casa
Publicado em 11/06/2009 | Juliana Vines
Assim como o vinho, o café ganhou complexidade, especificidade e defensores apaixonados. Falar em notas de aroma, sabores florais e frutados, regiões produtoras e seus terroirs específicos deixou de ser apenas assunto de enólogos e enófilos e se tornou um tema comum em cafeterias que trabalham com os chamados cafés especiais. O termo, que surgiu em 1983 nos Estados Unidos, descreve uma bebida preparada com um grão que, ainda verde, não apresenta nenhum defeito e tem algum atributo específico de aroma, sabor, acidez ou corpo – fala-se em café encorpado ou suave ao invés de forte ou fraco.
As diferenças entre os cafés comerciais – campeões de consumo, vendidos nos supermercados já torrados e moídos – e os especiais são imensas, a começar pela origem. “Os cafés especiais são cultivados em fazendas certificadas por organizações reconhecidas. O consumidor consegue saber a região do cultivo e o lote do grão”, explica Luiz Otávio Franco de Souza, proprietário do Lucca Cafés Especiais. Para ganhar a certificação, o grão tem de receber nota acima de oito em uma avaliação feita por degustadores que analisam qualidades, como a doçura da bebida, o gosto remanescente e o aroma do pó e da infusão.
Fotos: Alexandre Mazzo
Fotos: Alexandre Mazzo
“O Brasil é o maior produtor, exportador e o segundo maior consumidor de café do mundo. E pode-se dizer que poucos brasileiros conhecem o sabor de um café selecionado.” Jorge Liniti Kasai, sócio-proprietário do Kassai Café
Ponto da torra - O mesmo grão torrado de formas diferentes dá origem a bebidas com características bem distintas entre si. Apesar de o paladar variar de pessoa para pessoa, cada café tem seu ponto certo de torra, que pode ser claro, médio ou escuro. “O melhor ponto é aquele em que se pode explorar o máximo do potencial da bebida”, explica Jorge Liniti Kasai, sócio-proprietário do Kassai Café. Torras mais escuras não são sinônimo de cafés fortes ou encorpados. Elas resultam em uma bebida mais amarga. Já o grão menos torrado produz uma bebida com acidez pronunciada. O ponto de torra deve ser indicado na embalagem.
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Sabores regionais
Cada região brasileira produtora de cafés especiais tem grãos que se destacam por atributos específicos. Conheça as particularidades regionais e decida qual café provar primeiro
Sul de Minas
Cultivados a mais de 1.200 metros, os grãos dão origem a uma bebida com aroma de flor de laranjeira e frutas cítricas maduras. O sabor é um equilíbrio entre acidez e corpo.
Cerrado Mineiro
Tanto o sabor quanto o aroma dos cafés do Cerrado são adocicados, lembrando mel, chocolate e caramelo. Os grãos da região dão origem a bebidas encorpadas que deixam na boca o gosto de caramelo. Cultivados em fazendas que ficam de 900 a 1.200 metros.
Mogiana
É possível perceber toques de jasmim floral e adocicado no sabor dos cafés da região Mogiana, localizada no Norte de São Paulo. No aroma, as notas florais também sobressaem. Os grãos são cultivados a 1.200 metros de altitude.
Bahia
O aroma vivo de frutas cítricas com um toque de castanhas e nozes é característico dos cafés especiais de fazendas baianas. O sabor é marcado pela acidez e por um corpo médio. As fazendas ficam, em média, a 1.300 metros de altitude.
Norte do Paraná
De doçura moderada, os grãos do Norte do Paraná tem um aroma com toque de cacau. O sabor é de acidez moderada. As fazendas ficam em altitudes que variam entre 750 e 820 metros.
Fonte: Luiz Otávio Franco de Souza, proprietário do Lucca Cafés Especiais.
Para todos os paladares
Quase tudo combina com café: sorvete, creme, chocolate, chantilly, licores, nozes... As combinações agradam principalmente aqueles que não são muito fãs do cafezinho puro. “As bebidas à base de café são mais elaboradas e chamam a atenção. É uma estratégia das cafeterias. Todo mundo adora uma novidade”, comenta Yara.
O principal ingrediente é o leite. Com ele é possível fazer a maioria das bebidas do tradicional cardápio italiano, como o cappuccino e o café macchiato, o famoso espresso com leite. Acrescentando chocolate faz-se o mocha, chamado erroneamente de cappuccino em várias cafeterias brasileiras.
O coffee-shake e os drinques com bebidas alcoólicas levam inúmeros ingredientes, até mesmo combinações com geleias e especiarias são aceitas. “As receitas mais pedidas são aquelas mais doces. Mesmo ingredientes incomuns são bem-vindos”, diz Yara. Tudo é liberado, desde que se preste atenção ao preparo correto do café, que é a base do drinque. “Vale experimentar. Os ingredientes que não combinam são aqueles muito fortes, que mascaram o sabor do café”, afirma Mabell Nunes, barista do Café do Ponto.
Acerte sempre
Depois de escolher um grão de qualidade é preciso tomar alguns cuidados para garantir que todas as características do café sejam preservadas.
Por que moer na hora?
O ideal é que o café seja extraído até 30 minutos depois da moagem. O contato com o oxigênio faz com que o pó ganhe cafeína e perca aroma. Se não tiver um moedor em casa, escolha os grãos e veja eles serem moídos na cafeteria.
Se armazenar for preciso
O aroma e o sabor do café podem ser conservados por pelo menos 15 dias se o pó for acondicionado em potes fechados hermeticamente e deixados em um local fresco e escuro. Uma dica é manter o café na geladeira.
Água na temperatura certa
Coar o café com água fervendo queima e altera o sabor da bebida. A temperatura ideal é de 90 a 95 graus C. O ponto certo é quando a água está prestes a entrar em ebulição (com pequenas bolhas no fundo do recipiente). Se a água ferver, espere dois minutos antes de usá-la.
Experimente sem açúcar
O açúcar altera o sabor da bebida. Para especialistas, adoçar o café, principalmente o espresso, é considerado uma heresia. Cafés especiais são naturalmente aromáticos.
Esqueça a garrafa térmica
Café é feito para ser tomado logo em seguida. A bebida oxida muito facilmente e o sabor se altera em pouco tempo. Requentar, então, nem pensar.
Fontes: Paulo Ricardo Kasai, barista do Kassai Café; Mabell Nunes, barista do Café do Ponto; Rute Kostiuk, barista do HooCafé.
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Com os cafés comerciais, a avaliação é feita a partir dos defeitos. “Uma bebida com pouco defeito é o que a classificação brasileira chama de bebida mole. Com mais defeitos é uma bebida dura e, com muitos defeitos, é chamada de riada, quando o café chega a ter um gosto de produto químico”, complementa Souza. Grãos colhidos antes da hora ou aproveitados depois de fermentados, por exemplo, produzem um café desequilibrado: amargo, ácido demais ou com sabor adstringente, que amarra a boca. “Quando você saboreia uma laranja é possível perceber se ela está boa, azeda ou passou do ponto. A maioria das pessoas não tem referência sobre o sabor do café”, explica Jorge Liniti Kasai, sócio-proprietário do Kassai Café.
A principal instituição que certifica os cafés especiais no Brasil é a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA – sigla para o inglês Brazil Specialty Coffee Association). “Já existem marcas vendidas em supermercados com o selo da associação. É um indicativo importante. É preciso ficar atento porque muitas marcas lançam linhas com nomes como gourmet, premium ou superior e cobram a mais por isso. Essas definições genéricas podem não dizer nada sem a certificação”, alerta Souza.
Outra indicação importante é em relação ao tipo do café. Grãos especiais são 100% Coffea arabica, uma espécie de origem africana com maior complexidade genética, cultivada em locais altos e produz uma bebida mais aromática. Os cafés comerciais, em geral, são misturas entre as espécies arábica e a robusta. “O robusta tem mais corpo, mas menos sabor e menor valor comercial”, explica Maurício Pupo Thiesen, proprietário do Café do Mercado.
Mais populares
Mesmo quem não é degustador profissional consegue perceber quando um café é preparado com um cuidado especial desde a colheita até a torra e a extração. “Ainda que não saiba dizer o que há de diferente, o sabor é tão distinto que é notado tanto no café coado quanto no espresso”, diz Yara Thaís Castanho, barista do Suplicy Cafés Especiais, em São Paulo, e atual campeã no Campeonato Brasileiro de Barista. Essa diferença no sabor final é cada vez mais valorizada pelos amantes do café e pode ser traduzida em números. De acordo com dados da BSCA, o mercado dos grãos especiais cresce 10% ao ano.
Em consequência do crescimento, aumentou o número de cafeterias que têm em seu cardápio blends – misturas de grãos – de fazendas certificadas. “A mudança aconteceu de uns seis anos para cá. Com a sofisticação das cafeterias, começou a ser exigida mão de obra especializada, porque, de nada adianta ter um bom grão, uma boa máquina, se o barista não souber extrair o melhor disso”, acrescenta Yara.
O único fator que ainda assusta um pouco os consumidores brasileiros é o preço: um quilo de café especial custa a partir de R$ 25 e pode chegar a R$ 250, dependendo da origem do grão. Se for analisado por porção, no entanto, o valor é mais baixo do que muitas bebidas: uma xícara de café preparado com um grão que custa R$ 30 reais o quilo sai por 21 centavos. “Aos poucos, as pessoas vão aprendendo a diferenciar bons cafés. E, quanto mais clientes quiserem saborear bons cafés, mais cafeterias especializadas aparecerão”, diz Rodrigo Ramalho, proprietário do Café do Ponto.
O queridinho dos especialistas
“Quem realmente gosta de café pede um espresso e toma sem açúcar”, afirma a barista do HooCafé Rute Kostiuk. É na forma de extração do espresso – rápida e por pressão – que o melhor aroma, sabor e o corpo da bebida são preservados. De origem italiana – é do país europeu que vem a grafia com s e não com x, uma convenção entre os profissionais do café –, o espresso conquistou o mundo todo, inclusive o Brasil.
Os brasileiros até já criaram sua própria versão do cafezinho, com 20 ml a mais do que o cafezinho italiano de 30 ml. “Brasileiro gosta de xícara cheia e não se importa muito com a quantidade de pó. Mas o espresso original é feito com 7,5 gramas de pó para 30 ml de água”, explica Rute. Ainda há o espresso ristretto, feito com a mesma quantidade de pó e a metade da água. “É o melhor para experimentar todos os sabores e aromas. É um café para ser tomado no balcão, assim que sair da máquina”, acrescenta Rute. Muitas cafeterias servem água com gás para ajudar a limpar as papilas gustativas e ser mais fácil identificar aromas.
Ao contrário do que muitos pensam, o espresso, apesar de ser mais encorpado, é o café com menor teor de cafeína. Isso se deve graças ao baixo tempo de extração. No café coado ou feito na cafeteira tradicional, a quantidade de cafeína liberada é bem maior. “Há uma tendência de as pessoas migrarem para o espresso, mas o café coado nunca vai perder o prestígio, principalmente no Brasil. Se o grão for bom e se forem tomados cuidados, todas as formas de preparo podem ser de qualidade”, diz Kasai.
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Serviço
Lucca Cafés Especiais, Alameda Presidente Taunay, 40, Batel – (41) 3024-6950. Mantuanni Casa, Alameda Carlos de Carvalho, 1941, Batel – (41) 3242-6350. Spicy, Shopping Crystal Plaza, Rua Comendador Araujo, 731, loja 247 – (41) 3322-6014. Via Mundi, Alameda Doutor Carlos de Carvalho, 1.036 – (41) 3323-3435. HooCafé, Alameda Augusto Stellfeld, 1.527, Batel – (41) 3024-1220. Café do Mercado, Mercado Municipal de Curitiba, Rua Sete de Setembro, 1.865, Centro – (41) 3362-7912. Kassai Café, Rua Padre Bittencourt, 138, Centro, São José dos Pinhais, (41) 3035-5640. Café do Ponto, ParkShopping Barigui, Rua Professor Pedro Viriato Parigot de Souza, 600, Mossunguê – (41) 3317-6456. Suplicy Cafés Especiais, Alameda Lorena, 1.430, São Paulo – (11) 3061-0195.
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